De repente, ouvi alguém me chamando. Era Salustiana:
— Luiz Sérgio, como é bom encontrar você! Não me conhece mais? Quando encarnada eu não o deixava em paz, apelava para você todas as vezes que meu filho Alfredo, completamente drogado, me agredia e aos seus irmãos, chegando até a me morder. Para acalmá-lo eu o chamava e aos Raiozinhos de Sol.
— E ele, Salustiana, já concordou em ser tratado?
— Não, Luiz, por isso aqui me encontro. Em uma das suas crises ele me agrediu tanto que vim a desencarnar. Fui socorrida, mas como posso ficar no paraíso quando meu filho vive nos umbrais da vida? Por mais que me esforçasse ele estava cada vez pior. Agora parece que tudo vai serenar, esta noite ele desencarnou, vítima da AIDS.
— Quantos anos ele tem?
— Vinte e dois, mas parece ter cinqüenta, tão maltratado foi pela vida — respondeu, com os olhos rasos de lágrimas.
- Não, minha irmã, não foi a vida que o maltratou, ele é que não soube viver.
- Tem razão, meu amigo.
- Onde ele se encontra? Ela começou a chorar alto:
- Logo ali, logo ali. Ajudem-no, pelo amor de Deus!
Em silêncio, nós a acompanhamos e qual não foi a nossa surpresa ao vermos Alfredo ainda dentro do túmulo, debatendo-se junto a um corpo tão debilitado que nem podemos assim denominá-lo.
Enrico. Por que ele se apega a esse corpo doente? Perguntei.
- Porque não deseja abandoná-lo, tão agarrado está à vida física. Ia ajudá-lo, quando Enrico pediu auxílio ao nosso mentor, para que nos desse proteção naquele trabalho:
Que a bondade de Deus esteja sempre em nós para que possamos estender nossos braços em direção ao próximo. Ajuda-nos, em nome de Deus. No instante em que aquele espírito completamente dementado pôde enxergar a mãe, gritou:
- Sua bruxa, mãe desnaturada, saia daqui! Não quero vê-la nunca mais, você é a causa do meu sofrimento, você me excomungou, por isso a matei!
- Não, meu filho, meu coração só tem amor por você. Eu o perdôo, ou melhor, jamais o julguei culpado.
- Cale a boca! Não gosto nem de ouvir a sua voz, deixe-me só com os meus sofrimentos.
Quando assim esbravejava, saía da sua boca um líquido verde, de uni odor insuportável. Enrico esclareceu:
- Luiz, nada podemos fazer, Alfredo suicidou-se; não suportou esperar a hora prevista por Deus.
- Por favor, irmãos, ajudem meu filho, ele está sofrendo demais!
- Irmã, falou Enrico, vamos embora daqui, seu filho precisa ficar sozinho e tomar suas decisões, sem influência nem ajuda de ninguém.
- Como posso deixá-lo assim?
- A sua proteção, o seu amor doentio cooperam para o desequilíbrio dele. Agora está em suas mãos salvá-lo.
- Que faço, então? - Deixe-o em paz.
-Paz? Mas ele está preso a um corpo ainda coberto de terra...
- Sim, está, mas ele mesmo tem condição de sair daí.
Vamos deixá-lo.
- Seus covardes, voltem, tirem-me daqui, estou sofrendo muito! E você, mãe, por que vai me deixar?
- Porque você nunca me amou e eu só lhe causei dores. Seja feliz, meu filho - falou Salustiana, acompanhando-nos.
Ele gritou meu nome:
- Luiz Sérgio, o que preciso fazer para sair daqui? Virei-me e falei:
- Orar, pedindo perdão a Deus.
— Pois vocês vão para os quintos dos infernos, abraçados com ele!
— Perdoa, Senhor, perdoa meu filho!
Olhei para aquele trapo de mulher e enlacei seu ombro com carinho, pensando: não deve existir dor pior do que a que sofre um coração de mãe ou de pai quando um filho vive agredindo a sociedade. Alfredo gritava, xingando-nos, mas Salustiana ia ser socorrida para ter condições de auxiliar o filho.
— Amigos, ele será ajudado?
—Sim, respondeu Enrico. Um filho de Deus não sofre eternamente, todos têm o seu dia de glória.
— Deus meu, ajuda-me a conseguir força para poder ajudar o meu filho querido, que se perdeu nas estradas dos vícios.
Ajuda-me, Senhor, para que eu possa segurar as mãos do meu filho e, juntos, chegarmos a Ti. Sei, Senhor, que falhei como mãe, mas mesmo assim fui feliz, porque me confiaste um dos Teus filhos, que prometo amar eternamente.
— Todas as mães precisam de oração, porque elas moldam o caráter dos filhos. E estes precisam tanto delas!... enfatizou Enrico.
Levamos nossa amiga para o pronto-socorro da Estação do Adeus. Ao ali deixá-la seu olhar de súplica me fez estremecer; aquele olhar de mãe sofrida nos implorava que voltássemos para socorrer Alfredo. Enrico tranqüilizou-a:
— Pediremos aos Raiozinhos de Sol que ajudem seu filho, nossa tarefa hoje é outra, não temos meios para socorrê-lo.
Mas Jesus está sempre presente ao lado dos que sofrem.
Ela baixou a cabeça e nos acenou:
— Até outra vez e muito obrigada.
Tive vontade de chorar, mas Enrico, o italiano de Cristo, era tão firme nas decisões que me esforcei para não me desequilibrar.
Luiz Sérgio
NA HORA DO ADEUS
Psicografía: Irene Pacheco Machado
2a Edição • 1997