UNS E OUTROS

Aqui, as sobras da vida

se esgarçam nas brenhas

e tentam encolher o

horizonte no olhar.

Aqui, o dia não dorme,

os pássaros descascam

a agonia como se fossem

larvas, e o luar desova

enferrujando o relógio

do tempo.

Aqui, uns aveludam o canto

na voz do vento, na procissão

dos sem chão, como se fossem

formigas que dementam no

açúcar da paixão.

Aqui, outros tem sede de fome

no cheiro bom da aurora, mas,

emprenhados de emoção,

adormecem no rumor da

oração.

                                  OsmarVasconcelos

ICEBERG

Afora isso...

Sigo iceberg e

vergo a tempestade

em muitos

invernos submersos,

onde albergo

a tua saudade

que hiberna

há muito, em

muitos de mim.

                      OsmarVasconcelos

EU E TU

Um dia você descobre

que fomos todos os invernos

assombrados pelos desejos

embutidos do prazer.

Eu e Tu, nada que justifique

essa nossa insana paixão e suas

pretensões alastradas dentro

de nós...

Éramos a própria razão, o caos

da intuição em laços atracados

entre veias, em corpos nus no

esquecimento da noite, em

atalhos para enganar a órbita do

tempo...

E nada foi suficiente para

aprendermos com os nossos

próprios pecados...

restou-nos o acaso.

                           OsmarVasconcelos

ESTEIO

Você é meu

chão, meu esteio...

Mas se foi, deixando

em mim solidão e na

pele teu cheiro.

Sozinho, sigo matando

a saudade como posso

e do meu jeito.

              OsmarVasconcelos

MANCHETE DE JORNAL

Dói-me respirar esta solidão

calcinada, feito pedra bruta,

na noite escura cingida do

nada, onde me aperto

apaixonadamente na curva

da tua estrada não desenhada.

No coração, nem ouso

pronunciar seu nome...

Para a dor não sorrir

escancaradamente em manchete

de jornal.

                                 OsmarVasconcelos

              INCAUTA E QUASE SANTA

Incautas, nascem paixões

nas veredas dos corações

e imperceptivelmente,

escorregam nas ladeiras

da alma, mansamente a

incitar desejos...

e na vazante dos medos,

quase santa, imputa seu

fulgor medonho, exorcizando

em delírios o que era sonho,

quando murmureja, roçando

ao ouvido, em êxtase e aos

beijos eu te amo, e a ternura

explode em seiva na loucura

das cascatas.

                               OsmarVasconcelos

          URGENTES E INÓSPITAS

A ti entreguei-me

devagar, a silenciar

no peito o cinzento

dos meus medos.

A deixar no teu

corpo a saudade e

o desejo que tens

do meu, nas horas

urgentes e inóspitas

dos teus olhos,

quando fazes-te

pausa...

No bulício dos

amantes.

                  OsmarVasconcelos

DENTRO DE MIM

É um perder-se

sem fim, nesse

desencanto à

procura de mi.

É só um jeito de

ser à procura do

ser que não sou

eu...

Quando, à minha

procura é por você

que vive dentro

de mim.

                     OsmarVasconcelos

MERIDIANOS VIRGENS

Às vezes exilo-me na

imponderável noite de

meridianos virgens da

tua pele morna, filtrando

teu rosto, beijando teus

seios, até o nu do teu

ventre...

Onde migram os pássaros

a pendor do gume,

em dias infensos na voz

do vento.

                           OsmarVasconcelos

                DESPINDO-TE

Apetece-me adentrar-te

pela luz da porta do teu

olhar, e lá dentro despir-te.

E depois, ficar nu dentro

de ti...

Navegando-te, amando-te

bebendo-te na taça

rumorosa da tua boca,

como quem bebe a

madrugada.

                          OsmarVasconcelos