
Meus olhos viram a tua salvação
LECTIO - O que diz o texto?
O texto começa informando que se completaram os dias para a purificação da mãe e do filho, “conforme a lei de Moisés” (expressão que sempre aparece quando se quer fazer referência a uma determinada lei da Torah – Pentateuco). No texto em questão, Lucas mistura as duas leis sem diferenciá-las. Pois a purificação da mãe era prevista em Levítico 12,2-8 e se cumpria quarenta dias após o parto. Até aquele momento, a mulher não poderia aproximar-se de nenhum lugar sagrado, já que era considerada impura por causa do sangue derramado durante o parto; a cerimônia consistia na oferta de um cordeiro ou dois pássaros (um par de rolas ou dois pombinhos). E aqui continua evidente a condição de pobreza e simplicidade da família de Nazaré, dado que só se fala dos pássaros (era a oferta dos pobres).
Já a consagração dos primogênitos está prescrita em Êxodo 13,11-16 e era considerada com uma espécie de “resgate” – lembrando a ação salvífica quando Deus libertou os israelitas da escravidão do Egito. Resgatando o próprio filho, o pai dizia: “Te resgato porque eu também fui resgatado quando o Senhor nos tirou com mão forte da casa da escravidão” (Ex 13,2.11-16). O texto quer mostrar que Jesus não foi dispensado de nenhuma prática da lei, seus pais foram obedientes a fim de que o destino do menino se desenvolvesse desde o início conforme as Escrituras. Entretanto, o texto só acena que se completaram os dias, mas não narra a cerimônia em si talvez para fazer entender que Jesus não tem necessidade de ser resgatado. Jesus, não é resgatado, mas aquele que resgata, aquele que salva o seu povo.
Em todo o relato, os pais de Jesus aparecem para apresentar, oferecer o filho como se deveria fazer, já as figuras de Simeão e Ana aparecem, mais exatamente, para dizer que Deus é quem oferece o Filho para a salvação do povo. Ana apresentará o menino àqueles que esperavam o resgate, a libertação de Jerusalém (Lc 2,38).
Pois bem, Simeão e Ana são duas figuras carregadas de valor simbólico. Eles têm o papel do reconhecimento, que provêm da iluminação do Espírito Santo, mas também de uma vida movida por uma espera intensa e confiante. Particularmente, Simeão é definido como prosdekómenos, isto é, aquele que está todo concentrado na espera e que corre ao encontro para acolher. Também ele aparece, por isso, obediente à lei, aquela do Espírito, que o conduz a encontrar o menino dentro do templo. Simeão, guiado pelo Espírito Santo, toma o menino nos braços e o desapropria dos seus pais, aquele menino é para toda a humanidade. Também o seu canto manifesta esta sua espera confiante: viveu para chegar a este momento; agora pode se retirar para que também outros possam ver a luz e a salvação que chegou para Israel e para o mundo inteiro.
Por sua vez, Ana, com a idade de 84 anos, também quer completar o quadro da espera (84 = 7 × 12: o número perfeito vezes as doze tribos ou 84 – 7 = 77: perfeição redobrada). Sobretudo com o seu modo de viver (jejuns e orações) e com a proclamação de quem ela esperava. É guiada pelo Espírito de profecia, é dócil e pura de coração. Além disso, pertence a menor das doze tribos que é aquela de Aser: sinal de que os menores e mais frágeis são os mais favoráveis a reconhecer Jesus Salvador. Estes dois anciãos simbolizam o melhor do judaísmo, a Jerusalém fiel e mansa, que espera e se alegra, e que deixa de agora em diante brilhar a nova luz.
Ainda com Simeão, após o canto, ele diz a Maria que o seu menino vai ser causa tanto de queda como de reerguimento para muitos em Israel. Ele será um sinal de contradição. E quanto a Maria, uma espada traspassará a alma dela. Normalmente, interpreta-se aqui o anúncio do sofrimento de Maria. Mas também devemos ver aqui Maria como imagem do povo: Simeão intui o drama do seu povo, que será profundamente dilacerado pela palavra viva e cortante do Redentor. Maria representa o percurso: deve confiar, mas atravessará dores e escuridões, lutas e silêncios angustiantes. A história do Messias sofredor será dilacerante para todos, também para Maria. Não se pode seguir a nova luz destinada ao mundo inteiro sem pagar o preço, sem se arriscar, sem renascer sempre de novo do alto para uma nova criatura. Mas estas imagens, ou seja, da espada que traspassa, do menino que fará tropeçar e abalará os corações, não estão separadas do gesto carregado de sentido dos dois anciãos: pois, enquanto Simeão, toma o menino nos braços, para indicar que a fé é encontro e abraço, não idéia nem teoria; Ana é anunciadora e acende em quem o esperava uma luz fulgurante.
Enfim, interessante é notar que todo o episódio dá ênfase às situações mais simples e familiares: o casal Maria e José com o menino no braço; o ancião que se alegra e abraça, a anciã que prega e anuncia, os interlocutores que aparecem indiretamente envolvidos. E também a conclusão do texto deixa ver o lar de Nazaré, o crescimento do menino num contexto normal, a impressão de um menino dotado em modo extraordinário de sabedoria e bondade. O tema da sabedoria entrelaçada com a vida normal de crescimento e no contexto de uma cidadezinha Nazaré, deixa um suspense na história: esta se reabrirá justamente com o tema da sabedoria do menino entre os doutores do templo. E será exatamente o relato que segue imediatamente.